João Pedro Boskovic Cortez | joao.cortez@vallya.com
Vicente Franzoi Fonseca | vicente.fonseca@vallya.com
Especial: Nova Lei do Gás Natural Apelidado de Nova Lei do Gás Natural, o substitutivo ao Projeto de Lei (PL) 6.407/2013, aprovado na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados em outubro de 2019, deverá ser votado no plenário esta semana, de acordo com o relator da matéria, o deputado federal Laercio Oliveira (Progressistas-SE). Ressalta-se que, apensado (anexado) à proposição principal, encontra-se o PL 6.102/2016, que dispõe sobre atividades relativas à comercialização e ao transporte de gás natural. De acordo com o relatório preliminar disponibilizado, o relator sugere a aprovação da PL 6.407 e a rejeição da PL 6.102/2016. Após anos de tramitação, a matéria entrou em regime de urgência na Câmara dos Deputados no dia 29 de julho, com base no Requerimento 2.996/2019, permitindo a inclusão do projeto na pauta a qualquer momento, o que deve acontecer em breve. A aprovação do requerimento contou com 323 votos a favor e 113 contrários, indicando que o projeto conta com respaldo entre as lideranças partidárias. Somente as bancadas do PT, PSB, PDT, Rede, Psol e PCdoB orientaram voto contrário. Sob a ótica do Governo Federal, o projeto enquadra-se no âmbito do programa do Novo Mercado do Gás, lançado em julho de 2019, que tem como pilares a promoção da concorrência, a harmonização das legislações estaduais e federais, a integração do setor de gás com setores elétrico e industrial, bem como a redução da carga tributária. Embora a matéria conte com respaldo de deputados independentes, a votação em plenário servirá como termômetro para o alinhamento da base governista, recém-reformulada, agora sob a liderança do deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), após a recente destituição do deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO).
A Nova Lei do Gás Natural Listamos abaixo os principais pontos do PL 6.407/2013: 1. Institui o regime de autorização para investimentos em gasodutos de transporte e a estocagem subterrânea de gás natural. O modelo atual, baseado na Lei 11.909/2009, permite o regime de concessão para investimentos privados no setor, de maior complexidade administrativa em relação ao regime de autorização. No modelo de concessão, uma empresa interessada em investir em um gasoduto precisa vencer um leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). No regime de autorização, bastará apresentar o projeto e esperar o aval da agência . Espera-se, portanto, que a mudança de regime possa destravar novos investimentos. O projeto prevê também, em etapa anterior à efetiva outorga, a possibilidade de contestação por transportador que ofereça o mesmo serviço por uma menor receita, possibilitando a concorrência pelos projetos. 2. Estabelece mecanismos jurídicos que asseguram a independência nas atividades: empresas de transporte de gás natural deverão atuar de forma independente, sem participar de outras atividades do setor como exploração, importação ou comercialização. Na prática, a implementação destes mecanismos acabará com a verticalização destas atividades, sob o argumento de que se trata de prática de incentivo ao monopólio e que prejudica consumidores. 3. Garante o acesso não discriminatório às infraestruturas essenciais: os gasodutos poderão ser utilizados por todos os carregadores (agente que contrata o serviço de transporte de gás natural) mediante contratos, sem discriminação. Desta forma, o PL promove o chamado acesso à terceiros, que também será praticado nos gasodutos de escoamento da produção, nas instalações de tratamento ou processamento de gás natural e nos terminais de gás natural liquefeito (GNL). 4. Altera o regime de tarifação para o modelo de entrada e saída: no modelo atual, todas as transações ocorridas dentro da rede de transporte pagam a mesma taxa, independentemente de onde o gás é injetado e retirado. Na prática, este modelo representa uma espécie de subsídio cruzado, em que carregadores situados próximos dos pontos de entrada acabam custeando os que estão distantes. O PL propõe a adoção do modelo de entrada e saída, em que há uma cobrança pela injeção do gás natural (ponto de entrega) e outra pela retirada (ponto de recebimento), não importando sua origem, destino ou percurso. 5. Promove maior transparência nas informações e a gestão participativa de usuários: o detentor de autorização para exploração de instalações de escoamento, processamento, transporte, estocagem e terminais de GNL deverá disponibilizar (eletronicamente) informações sobre as suas instalações e os serviços prestados. Já os carregadores deverão constituir um conselho de usuários para o monitoramento de eficiência operacional e de investimentos
Opinião Acreditamos que a aprovação da Nova Lei do Gás, em sua forma atual, é positiva e poderá, por um lado, destravar investimentos necessários e, por outro lado, gerar mais transparência, acesso e competição e, logo, a redução dos preços pagos pelo consumidor, seja ele de pequeno, médio ou grande porte. Vale ressaltar que o projeto de lei em tela adiciona um conjunto de medidas e ações avaliadas desde 2016 com vistas à flexibilização do mercado de gás natural e, inclusive, incorpora partes do programa Gás para Crescer, da gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB). Destaca-se, por exemplo, a política de desinvestimentos realizada pela Petrobrás neste período, incluindo a alienação de suas participações societárias em empresas atuantes nos segmentos de transporte e distribuição de gás natural, bem como o compromisso firmado junto ao CADE que veda a aquisição de novos volumes de gás natural de seus parceiros/terceiros. Representantes do Governo Federal estimam até R$ 630 bilhões em novos investimentos em 10 anos. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), por sua vez, já identificou 11 novos projetos com um potencial de investimentos de R$ 17 bilhões que, caso executados, aumentarão a malha de gasodutos atual em 20%. De acordo com reportagem publicada no Valor Econômico, players importantes como a Transportadora Associada de Gás (TAG), a Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) mapeiam novos investimentos. Ressalta-se que a Petrobrás recentemente realizou a venda da TAG (Engie) e 90% da NTS (Brookfield), de modo a ilustrar o peso que a estatal tinha no setor. Embora a perspectiva no longo-prazo seja de investimentos em projetos maiores, acreditamos que neste primeiro momento o foco destas empresas será na construção de pequenas conexões visando aumentar a eficiência do sistema de forma gradativa, como é o caso das conexões aos terminais GNA no Porto de Açu (Prumo, BP e Siemens). O Brasil poderia ser autossuficiente em gás natural somente com o pré-sal, que possui uma reserva estimada em 6,3 bilhões de m3 . Mas grande parte desse gás, quase 50%, é reinjetado no subsolo por falta de alternativas para escoamento nas plataformas. Parte dele é usado na própria plataforma e outra é queimada – no limite de 500 mil m³/dia – ou perdida. De acordo com a Abegás, este fator gerou perdas de arrecadação em 2019 na ordem de R$ 2 bilhões em royalties para os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Por outro lado, também destacamos que as proposições trazidas pela PL como a instituição de mecanismos de independência nas atividades, o acesso não-discriminatório às infraestruturas essenciais e as alterações no regime de tarifação tendem a promover maior competitividade na oferta de gás natural e, por consequência, redução no preço pago pelo consumidor. O acesso aos gasodutos por meio de autorização em si também é uma decisão em linha com o ambiente concorrencial, pois não há uma rigidez locacional para um determinado acesso e nem impedimento para que existam múltiplos acessos ao longo dos gasodutos, o que torna o processo licitatório clássico custoso e sem benefício concorrencial aparente. De acordo com o secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Carlos da Costa, o principal setor que será beneficiado pela queda de preços é a indústria, que “paga uma margem absolutamente desproporcional ao custo do fornecimento do gás”. O secretário afirma que a nova legislação deve reduzir o preço do gás para a indústria de US$ 13 para US$ 6 por milhão de BTU (unidade térmica britânica). A participação do gás natural na matriz energética brasileira vem crescendo e alcançou o patamar de 12% em 2019, embora a média mundial seja de 25%. De acordo com a EPE, a oferta de gás natural deve crescer de 43 milhões de m³ para 59 milhões m³/dia até 2026. Não por acaso, na segunda-feira (17/08) o Presidente Jair Bolsonaro, em conjunto com ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, inauguraram a Usina Termoelétrica Sergipe I, com potência instalada de 1.5 GW e capacidade de atendimento a 16 milhões de pessoas, tornando-a na maior termoelétrica a gás natural da América Latina. De acordo com Albuquerque, a usina produzirá “energia por menos da metade do custo médio da energia térmica produzida hoje no Brasil” com custo de megawatt/hora de R$ 279. Outro setor que poderá ser impactado positivamente é o de frete, com queda estimada no gás natural veicular (GNV) de 19% em um período de quatro a seis anos, segundo o Ministério da Economia. Desta forma, espera-se a redução do “custo Brasil”, e, com a redução destes custos, esperamos que o GNV possa substituir fontes de combustível alternativas e mais poluentes, como é o caso do diesel, inclusive em caminhões, fazendo crescer o uso de novos modelos, como o caminhão movido exclusivamente a GNV lançado pela Scania em 2019. O crescimento no uso de gás natural é desejável também sob a ótica do desenvolvimento sustentável. A maior inserção do gás natural como fonte de geração de energia (seja na matriz energética ou como combustível veicular) poderá catalisar a transição para uma economia de baixo carbono, em linha com os compromissos assumidos no Acordo de Paris (2015), que tem o Brasil como signatário, em um momento em que investidores estrangeiros acompanham (e exigem) ações do governo federal rumo à sustentabilidade.
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